quarta-feira, 20 de abril de 2011

Desejo secreto: quero que as crianças não consigam dormir à noite por causa de A MALA ASSOMBRADA

A MALA ASSOMBRADA está nas livrarias, pode ser comprado e lido. Quero muito que seja lido. E, de entre todas as leituras possíveis da história, a que mais me interessa é aquela que provoque o medo no leitor. Quero assustar as crianças.

O João Lemos, eu, a Inês Mourão (da Editorial Presença) e o Rui Zink.

Ontem, o lançamento deixou-me feliz. Havia pessoas vindas de vários lugares e tempos da minha vida. De alguma forma, fez muito sentido vê-las assim, todas de uma vez, todas reunidas. Havia também pessoas que me conhecem mas que eu não conheço, leitores de outros livros que escrevi. É bom saber que confiam em mim o suficiente para virem celebrar comigo um livro que ainda não leram.

O Rui Zink falou sobre o livro, dissecou-o, atravessou os principais temas que aborda e depois atirou-se aos detalhes do texto e da ilustração. Uns minutos depois, eu expliquei os motivos que me levaram a convidá-lo para apresentar A MALA ASSOMBRADA. Quando eu tinha quinze anos, vi pela primeira vez A Noite da Má Língua. Pareceu-me hilariante, embora não percebesse metade das piadas que eles faziam, e quis saber quem eram aquelas pessoas. Descobri que dois eram escritores e que um desses escritores se chamava Ruizinho. Na altura pensei que um escritor chamado Ruizinho só podia ser autor de livros infantis. O meu equívoco durou uma ou duas semanas. Ainda assim, tantos anos depois, de alguma forma fazia todo o sentido ter o Ruizinho a apresentar o meu novo livro para crianças.

Eu e o João Lemos falámos sobretudo sobre o processo de trabalho neste livro. Já o disse antes por estas paragens: a colaboração entre o escritor e o ilustrador tem de ser total. Em muitos livros ilustrados que são publicados, os dois autores nunca trocaram mais do que um ou dois breves e-mails. Isso é uma loucura, é uma falta de respeito pelo livro e pelos leitores. A comunicação entre mim e o João foi constante e todas as decisões importantes foram tomadas a duas vozes. Até ao final do trabalho. Uma vez, uma ilustradora disse-me que não deixava que o escritor se metesse nas ilustrações porque ela também não se tinha metido na escrita. Eu percebo isso, mas é uma premissa falsa. Porque na realidade o texto deve meter-se na ilustração e a ilustração deve meter-se no texto. Neste livro, o processo foi o mais habitual: eu escrevi o texto, depois o João Lemos ilustrou. E nesse ponto, fizemos algo nada habitual: eu revi o texto e cortei ou reescrevi algumas frases, já tendo em conta a parte visual da história. E fica feito o aviso: não volto a trabalhar de outra forma.

Para terminar, deixo aqui as primeiras quadras do livro (não é um poema, mas o texto está estruturado em grupos de quatro linhas), pode ser que depois vos apeteça ler mais.


Ao fundo da nossa rua, depois de todas as casas, depois de todas as árvores,
depois do campo de ervas altas e do ribeiro de água gelada,
há um muro. E atrás do muro, há um casarão,
velho e abandonado, torto e escuro, onde ninguém vive.

Todas as tardes, quando regresso da escola, passo ao lado do muro.
E não gosto. Porque tenho um bocadinho de medo do casarão.
Se não fosse o muro teria muuuuuito medo do casarão.
Seja como for, uma tarde, estava uma mala em cima do muro.

Era uma mala pequena, com a pele gasta e uma fechadura ferrugenta.
Tentei abri-la, claro, mas sem a chave respectiva não fui capaz.
Sacudi-a e pareceu-me vazia. E nesse momento tive uma ideia.
Eu ia usar a mala para meter medo ao meu irmão.

Dragões e ladrões, tempestades, aranhas e leões:
o meu irmão não tem medo de nada.
E ele só tem cinco anos.
(Eu tenho nove. E assusto-me com tudo.)

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